A locação de imóveis por curtíssimo período, por meio de plataformas digitais como Airbnb, Booking, Vrbo e similares, é uma realidade consolidada em cidades turísticas brasileiras — com destaque especial para o Rio de Janeiro. Apesar de moderna e alinhada à economia de compartilhamento, essa prática levanta debates palpitantes sobre seus efeitos jurídicos, impactos econômicos e desafios na convivência condominial.
Para começarmos a entender o contexto jurídico importante ressaltar que não há legislação para o tema, sendo este tipo de contrato, considerado atípico.
O que diz o STJ?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou o tema nos recursos especiais REsp n. 1.819.075/RS e REsp n. 1.884.483/PR, decisões que vêm influenciando o entendimento de outros tribunais e profissionais da área condominial.
No primeiro caso, a Corte entendeu que a locação via Airbnb, exercida com frequência e alta rotatividade, assumia caráter comercial, contrariando a finalidade residencial do condomínio. Mesmo sem proibição expressa na convenção, a decisão baseou-se na alteração da dinâmica do edifício. No segundo julgamento, a Terceira Turma validou a decisão assemblear que proibiu locações inferiores a 90 dias, reforçando a autonomia dos condôminos para estabelecer regras internas. Os precedentes citados não foram unânimes, não são vinculantes e valem apenas para as situações ali decididas.
O uso de plataformas digitais como Airbnb, por si só, não define atividade como comercial. O que determina a natureza comercial são as características operacionais específicas do caso. Portanto não há como se aplicar e entender proibitiva a prática meramente para os condomínios em que nas suas convenções que possuem natureza residencial como sua destinação exclusiva.
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Tendência atual: autonomia das convenções condominiais
A partir dessas decisões, consolidou-se como tendência prática e orientação jurídica predominante que na ausência de legislação específica, os condomínios podem regulamentar a locação por curtíssima temporada por meio de suas convenções.
Essa autonomia tem sido respaldada por diversos tribunais e orientações de escritórios jurídicos especializados, desde que respeitado o quórum legal e as formalidades previstas na Lei dos Condomínios e no Código Civil.
Projeto de Lei em debate no Rio de Janeiro
Tramita na Câmara Municipal do Rio de Janeiro um projeto que visa regulamentar a locação por curtíssima temporada. A proposta, ainda em construção com participação de técnicos, vereadores e sociedade civil, contempla:
- Cadastro municipal obrigatório dos imóveis locados;
- Regras de segurança, limite de ocupação e controle de acesso;
- Comunicação ao síndico e obrigações de identificação dos ocupantes;
- Exigência de quórum de 2/3 dos condôminos para autorizar a prática no condomínio.
No entanto, um ponto de preocupação é a possibilidade de a regulamentação criar novos encargos, impostos ou burocracias excessivas aos proprietários, o que poderia inviabilizar a atividade e desestimular investimentos na cidade.
? Posição do autor – Dr. Raphael
O Dr. Raphael, autor deste artigo e advogado especializado em direito condominial e imobiliário, defende a regulamentação como medida necessária e positiva, mas entende que a exigência de 2/3 dos condôminos para permitir a prática parte de uma lógica inversa. O ideal seria considerar a locação como regra, exigindo quórum qualificado apenas para quem quiser proibir. Isso protege o direito de propriedade e assegura liberdade com responsabilidade.
Além disso, qualquer regulamentação deve evitar a criação de novos impostos ou exigências que desestimulem o uso da propriedade privada, especialmente em uma cidade como o Rio de Janeiro, que depende fortemente do turismo para gerar investimentos, emprego e renda.
Nossa orientação técnica é clara: condomínios que desejem proibir a prática deverão fazê-lo mediante aprovação formal em assembleia, com quórum de 2/3, e previsão expressa na convenção ou regulamento interno.
Direito Coletivo x Direito de Propriedade
O desafio dos condomínios é equilibrar o direito de propriedade (uso, gozo e fruição do bem) com o direito coletivo ao sossego, segurança e preservação da destinação residencial. A ausência de segurança é uma realidade urbana geral e não decorre unicamente da locação por temporada. Assim, a solução não está na proibição, mas na adoção de medidas eficazes de controle, tais como:
- Cadastro atualizado de moradores e visitantes;
- Controle de acesso com tecnologia (QR code, biometria, câmeras);
- Treinamento de porteiros;
- Regras específicas no regulamento interno, com penalidades claras.
Com essas medidas, é possível garantir a convivência harmônica entre os direitos individuais e os interesses coletivos.
Impacto no turismo do Rio de Janeiro
A locação por temporada movimenta a economia e é estratégica para o turismo:
- O Rio tem mais de 21 mil imóveis cadastrados em plataformas, segundo dados da Câmara, sendo Copacabana o principal bairro;
- Em 2023-2024, o Airbnb indicou 28.154 anúncios ativos na cidade, com diária média de R$ 306 e renda anual de R$ 63 mil por anfitrião;
- Em 2022, a atividade gerou US$ 740 milhões em consumo, contribuindo com US$ 342 milhões ao PIB local e sustentando 9.700 empregos, segundo estudo da Oxford Economics.
Esses números mostram que a locação por temporada é relevante para atrair turistas, estimular negócios locais e valorizar a propriedade privada.
Conclusão
- O STJ não proibiu a locação por curtíssima temporada;
- A tendência é permitir que os condomínios decidam através de suas convenções ou por assembleia desde que com o quórum de 2/3;
- A regulamentação municipal deve avançar, mas sem criar novos impostos ou burocracia desnecessária;
- A segurança depende de gestão e tecnologia, não de proibições genéricas;
- A prática representa grande potencial econômico e turístico, e pode coexistir com a convivência condominial, desde que bem regulamentada. Assim como as demais tecnologias que impactaram tão positivamente a vida em sociedade, carros por aplicativo, entregas por aplicativos, reuniões virtuais, etc…
Autor: Raphael Gama da Luz, Sócio titular do escritório RGLUZ Advogados, Pós graduado em Direito Imobiliário pela Mackenzie Rio, Pós-Graduado em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela EMERJ, especialista em Direito Condominial e Imobiliário. Membro da Comissão de Mercado, Membro da Comissão de Gestão de Propriedades Urbanas, Mercado e Negócios Imobiliários da OAB-RJ, Vice-Presidente da Comissão Direito Condominial da ABA Rio de Janeiro e Leilões. Membro da Comissões de direito condominial da OAB Seccional Méier. Coautor do Livro: “Condomínio – Aspectos práticos da cobrança de Cotas e Inadimplência” Editora Foco.2024

